terça-feira, 22 de março de 2011

Duo

Numa imagem bizarra e clownesca observo um homem e mais duas pessoas sentadas à mesa com um grande guarda-chuva preto se protegendo da chuva, mas ressalto com clareza, o local já estava coberto.

Não restava nada mais com o que se preocupar então. Com a última possibilidade de serem surpreendidos já desvendada, agora só restava esperar que o destino tente atacar pelas visíveis e falsas vulnerabilidades bem arquitetadas.

Mesmo assim, segui percebendo o quanto chovia ainda, olhei para a rua e por um momento me senti uma ilha, mas me contive e me acalmei, apesar da chuva não ter procedido da mesma maneira. Percebi também que o rapaz do guarda-chuva se entregou para o frescor da noite e junto foram seus amigos.

¿Que mais poderiam fazer? O lugar estava todo fechado, o clima muito tenso, aquela janela era segura e lembrava que, de fato, existia um mundo um pouco menos louco no amanhecer. Entrava por aquela janela, além da luz lunar, um cheiro leve e sutilmente penetrante, que conseguia até arrancar suspiros e sorrisos do silencioso grupo.

Admito que para mim aquela hora parecia ser um silencioso grupo pois a mesa ao lado fazia um rumor terrível. Parecia aquelas duplas de casais que já se conhecem há de quatro anos e que todas as vezes que saem juntos ficam relembrando o passado bem vivido e remoendo queixas que foram mal resolvidas e tentando esclarecer as dúvidas celosas que perduravam.

Ele não suportava vê-lo com o seu novo visual "macho-sóbrio" y mais ainda odiava os ditados machistas que vinha ele pronunciando na última semana. Eram os dois tão unidos até há pouco tempo, não sabia o que poderia ter causado a mudança.

Mas o homem de verde de um dos casais era o mais largado, folgado, seja lá o que for nesse sentido. Só sei que ele falava alto demais a ponto de me desconcentrar de meus longos e tentativos pensamentos, e que chamava o garçom de "carinha" e que chamava os tacos mexicanos de "panquecas", simplesmente um rapaz que se sentia o melhor de todos os homens do bar, talvez por estar com a sua linda mulher que lhe aceita bem apesar dos maus modos, ou talvez por que esteja com seu amigo de longos anos, de antigas promessas e anteriores (quase infantis) dramas. Agora, mais uma vez, enfrentavam juntos uma adversidade. Uma mão lava a outra, uma mente acalma a outra.

E assim foi mesmo, foi realmente o que aconteceu, o pessoal da mesa 7 foi embora e eu pude continuar a apreciar a música. E junto com eles foi embora a chuva.

Escrito em 15.3.3.XXI, publicado em 22.3.11.XI, dia mundial da água.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

toutes les choses ont un air
d'attente, aussitôt qu'on les voit. est-ce à la
ressemblance avérré
que nous les saurons, en même temps que nous,
ici.
(peinture, de andré du bouchet, em poèmes et proses)

sábado, 10 de julho de 2010

A gente vive repetido, o repetido, e, o escorregável, num mim minuto, já está empurrado noutro galho. Acertasse eu com o que depois sabendo fiquei, para lá de tantos assombros... Um está sempre no escuro, só no último derradeiro é que clareiam a sala. Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia.
(ROSA, J. G. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. p. 80)

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Me voici donc seul sur la terre, n'ayant plus de frère, de prochain, d'ami, de société que moi même. Le plus sociable et le plus aimant des humains en a été proscrit par un accord unanime. Ils ont cherché, dans les raffinements de leur haine, quel tourment pouvait être le plus cruel à mon âme sensible, et ils ont brisé violemment tous les liens qui m'attachaient à eux. J'aurais aimé les hommes en dépit d'eux-mêmes; ils n'ont pu, qu'en cessant de l'être, se dérober à mon affection. Les voilà donc étrangers, inconnus, nuls enfin pour moi, puisqu'ils l'ont voulu.
(ROUSSEAU, J. Les rêveries du promeneur solitaire. Carrefour: Manchecourt, 1994. p. 9)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

- La más humilde de todas las tareas.
- La de traductor Sí, pero es una de las más lindas.
(BORGES, J. L. in: VÁZQUEZ, M. E. Borges, imágines, memorias, diálogos. Caracas: Monte Avila, 1977, p. 167)

quarta-feira, 7 de julho de 2010